segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Balada de Gisberta


Gilberto Salce Junior, a travesti Gisberta, nasceu em São Paulo em 1960 e morava em Porto - Portugal - há 25 anos, quando foi assassinada em 2006. Gisberta fez espetáculos transformistas e se prostituiu naquele país. Foi assassinada, em 2006, após 48 horas de tortura, violência sexual e espancamento por menores de idade. Recordada pelas amigas como uma travesti linda, diferente das outras, muito inteligente e bem informada, Gisberta é tema da música de Pedro Abrunhosa, cantada por Maria Bethânia:



Perdi-me do nome,
Hoje podes chamar-me de tua,
Dancei em palácios,
Hoje danço na rua.
Vesti-me de sonhos,
Hoje visto as bermas da estrada,
De que serve voltar
Quando se volta p'ró nada.
Eu não sei se um Anjo me chama,
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar.
Eu não sei se a noite me leva,
Eu não ouço o meu grito na treva,
E o fim vem-me buscar.
Sambei na avenida,
No escuro fui porta-estandarte,
Apagaram-se as luzes,
É o futuro que parte.
Escrevi o desejo,
Corações que já esqueci,
Com sedas matei
E com ferros morri.
Eu não sei se um Anjo me chama,
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar.
Eu não sei se a noite me leva,
Eu não ouço o meu grito na treva,
E o fim vem-me buscar.
Trouxe pouco,
Levo menos,
E a distância até ao fundo é tão pequena,
No fundo, é tão pequena,
A queda.
E o amor é tão longe,
O amor é tão longe...
E a dor é tão perto

EU MATEI GISBERTA
Eu matei a Gisberta. Você também a matou. Você se lembra da Gisberta? Não? Calma, eu te faço lembrar. A Gisberta era uma mulher alta, de pele clara, com longos cabelos negros e olhos castanhos; uma mulher dócil, muito cuidada e que exaltava feminilidade. Gisberta era um sonho, um desejo, uma essência. E queria ser feliz, como qualquer outra pessoa. O que muitos não sabem é que Gisberta era uma transexual que vivia de fazer shows em bares, à noite, e que, infelizmente, hoje está morta. Tiraram a vida da Gisberta aos poucos. Socaram o seu rosto até sangrar e ficar deformado. A espancaram até a morte: com paus, pedras, socos e xingamentos – sim, com xingamentos, porque xingar também fere. Quem matou a Gisberta? Eu. Eu matei a Gisberta. E você também a matou. Matou, quando zombou do seu coleguinha da quarta série por ser diferente. Matou, quando olhou torto para um homossexual que passava ao seu lado. Matou, quando se espantou ao ver duas mulheres de mãos dadas. Matou, quando foi contra ao casamento gay. Matou, quando disse que era pecado duas pessoas do mesmo sexo se relacionarem. Matou, quando foi contra a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Matou, quando propôs que fossem criados banheiros e locais reservados para homossexuais. Matou, quando xingou de “sapatão” ou “viado” uma pessoa diferente de você. Matou, quando não aceitou a orientação sexual do seu filho. Matou, quando expulsou de casa esse tal filho. Matou, quando desrespeitou uma travesti na rua. Matou, quando feriu os direitos humanos. Matou, quando foi homofóbico. Matou, quando foi preconceituoso. Nós matamos a Gisberta e sei que muitas outras Gisbertas ainda serão mortas. Porque nós somos assassinos em série: nós matamos milhares de Gisbertas todos os dias com o nosso preconceito.

— Marcelino Gomes, inspirado na história de Gilberto Salce Júnior, mais conhecido como Gisberta, uma transexual que foi brutalmente assassinada em Portugal, em 22 de Fevereiro de 2006, vítima de um dos mais terríveis males da humanidade: o preconceito. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário